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Camaçarí / BA - 24 de Novembro de 2024
Publicado em 19/10/2023 10h26

Manchas de um desastre: Com omissão de órgãos públicos, Tronox permanece deixando rastro de prejuízo no litoral baiano

Fábrica de pigmento instalada na Estrada do Coco, Tronox tem reiteradas renovações de licença ambientais, enquanto índices de doenças como câncer disparam entre moradores da região
Por: Metro 1

Era para ser um mini paraíso. Próximo a paisagens com dunas de areia branca, praia de água quente, uma distância de apenas 40 km de Salvador e uma comunidade que vivia de agricultura e pesca. Até foi por muito tempo. Pelo menos até 1971, quando um forasteiro nada conveniente e discreto passou a ocupar uma área de mais de 800 hectares e atuar nas proximidades da comunidade de Areias, em Camaçari. De lá para cá, os nomes desse mesmo vizinho foram muitos. Tibrás, Cristal, Millenium e agora Tronox, uma indústria de pigmento de dióxido de titânio (TiO2) que tem deixado um rastro de prejuízo à saúde dos moradores e ao meio ambiente daquilo que um dia já foi um paraíso.

Os indícios de que havia algo de muito errado com aquela presença só foram aparecer em 2008, mais de 30 anos após a inauguração da fábrica. Uma mancha amarela de cerca de 2 km de extensão surgiu no mar de Jauá, próximo à comunidade de Areias. O Instituto de Meio Ambiente (hoje Inema, responsável por conceder as licenças à fábrica) chegou a especular que a coloração era resultado de um processo de floração na água, e levou mais de um mês para admitir que, na verdade, era contaminação do ferro despejado pela Millenium no mar. Mas nada adiantou, naquele mesmo ano, o instituto renovou a licença ambiental da fábrica.

Na época, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) chegou a entrar na história abrindo um inquérito, que terminou com a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2012. Nele, a Tronox se compromete a reavaliar e tornar mais eficiente a barreira hidráulica que separava seus resíduos tóxicos do lençol freático da região. O não cumprimento implicaria em uma multa de R$ 1 milhão. Durante todo esse período a fábrica funcionou normalmente, mas os elevados índices de casos de doenças no sangue, câncer, problemas respiratórios e de pele para uma comunidade pequena, de cerca de seis mil habitantes, voltaram a chamar atenção para a região.

Uma tragédia em Areias
São gerações e gerações marcadas em Areias com a mancha de problemas de saúde. Aos 66 anos, Carlos Cardoso é um deles. Há quase 30 anos, ele se mudou para a comunidade, atraído pela beleza e tranquilidade do local. Criava minhocas e passava boa parte do tempo em que estava trabalhando com as pernas submersas em um tanque de água, que vinha do lençol freático da região. Em 2014, essa água, que era utilizada por toda a comunidade, foi apontada, por um estudo da Fundação José Silveira, com níveis intoleráveis de ferro, titânio, alumínio, chumbo e tantas outras substâncias tóxicas conhecidas por serem utilizadas no processo de fabricação de pigmentos da Tronox. Antes mesmo deste estudo, em 2008, Carlos foi diagnosticado com câncer no joelho. Passou por 17 cirurgias em 12 anos e precisou amputar uma das pernas. Apesar de não haver uma confirmação precisa, ele e seus médicos acreditam que, diante do elevado índice de casos de câncer na comunidade, o quadro de Carlos deve ter relação com a contaminação da água.

“Quem manda aqui é a Tronox, poluindo nosso paraíso. E mesmo que ela seja parada agora, já deixou muito estrago, um passivo ambiental muito grande. Vai ter que consertar o desastre e indenizar quem foi atingido, mesmo sabendo que nada será suficiente”, afirma ao Jornal Metropole.

Carlos não está sozinho nesta infeliz lista de atingidos. São muitas as histórias contadas pelos moradores. Mas maior ainda é o volume daqueles que se negam a falar sobre o assunto, presos à vergonha do diagnóstico e ao medo de represália. O líder comunitário Alex Sandro Goés conta com revolta que muitas mulheres já morreram na comunidade de câncer de útero e ele quase perde sua filha para problemas respiratórios. Além da água, a fumaça que sai das chaminés da fábrica é um outro inimigo de Areias.

Foto: Metropress/Manuela Cavadas

Prejuízo para todos
O rastro de destruição da Tronox chegou também do outro lado do muro da fábrica, no condomínio de alto padrão Interlagos. Por lá, o prejuízo reflete também na desvalorização dos imóveis. São muitos os imóveis abandonados por proprietários que querem se desfazer do patrimônio, mas encontram dificuldade de encontrar comprador. Afinal, quem quer morar ao lado de imensas chaminés que já foram alvo de investigação pelo lançamento de substâncias tóxicas no ar?

Omissão por todos os lados
Agora, 11 anos após a assinatura do TAC, o MP voltou ao caso para acompanhar o cumprimento do acordo. Mas esse trabalho tem esbarrado também na atuação do Inema, que, mesmo renovando reiteradamente as licenças da fábrica, não consegue fornecer informações que comprovem a regularidade da atuação da empresa. O instituto do meio ambiente alega, há pelo menos dois meses, que aguarda que a Tronox envie laudos para comprovar que não há mais emissão de resíduos de metais pesados. Procurado pelo Jornal Metropole, o órgão levou mais de dez dias e também não conseguiu enviar um posicionamento ou responder se esses documentos já foram recebidos. A empresa, por sua vez, afirmou que eles já foram encaminhados. Enquanto isso, o MP aguarda. Não há, por enquanto, reabertura de processo e nem nova investigação.

O promotor responsável pelo caso, Luciano Pitta, revela que deve enviar um ofício notificando o Inema para que finalmente ele conceda atualizações do caso. Pitta questiona que, já que cabe ao órgão fiscalizar e renovar a licença da empresa, o instituto já deveria ter os laudos. “Afinal, seria de se presumir que o Inema realizou uma vistoria para renovar as licenças, mas ao que tudo indica, não ocorreu”, afirma ao Jornal Metropole.

A Assembleia Legislativa da Bahia (AL- -BA) também entrou na história. Nos próximos dias, a Tronox será convocada para prestar esclarecimentos à Comissão do Meio Ambiente, Seca e Recursos Hídricos da Casa. A iniciativa é do vice-presidente da comissão, o deputado Matheus Ferreira (MDB), que quer propor audiência pública para investigar a atuação da empresa ao longo desses 50 anos. A licença ambiental da fábrica é válida até 2026. Caso não seja renovada até lá, são pelo menos mais dois anos com uma presença desastrosa entre Areias e Interlagos. E, mesmo com o vislumbre de uma possível saída da fábrica, uma tragédia já aconteceu e deixou rastros na região.

 

Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 19 de outubro de 2023

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